Fernando Andrette
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O termo “lapidar” sempre me pareceu bastante apropriado, para quando eu descobria algum artista ou álbum incrível em minhas peregrinações semanais às lojas de disco.
Pratiquei este ritual por mais de 40 anos em minha vida, na busca por gravações que pudessem dar mais sentido à esta existência, como um compositor que busca expressar seus sentimentos e ideias através de melodias.
Interessante que cada disco que ainda hoje escuto, me remete à algum fato ou situação que vivi, algumas muito caras emocionalmente, outras bizarras ou engraçadas, mas nada do que hoje ouço me causa indiferença.
Nunca gostei de ouvir música como pano de fundo de qualquer outra atividade. Não faço minhas caminhadas ouvindo música, muito menos cozinho ou leio, com música ao fundo.
Para mim, qualquer atividade necessita ser focada integralmente. Então, se estou cozinhando, lendo ou andando, o prazer tem que estar todo naquele momento!
E o mesmo ocorre se estou ouvindo música sem ser a trabalho.
Desligo celular e, geralmente, são audições solitárias, pois os familiares sabem que se for chamado, o risco de eu ter um “piripaque” ou um baita susto, é enorme! Tamanho o grau de imersão que a música me proporciona.
As pessoas às vezes me perguntam se eu não caio no sono após duas ou três horas ouvindo música. Costumo responder que o sistema não permite, pois a sensação é muito semelhante a estar na sala de gravação junto com os músicos. Então há tantos detalhes para descobrir, tantas intencionalidades para decifrar, que não dá para ficar sonolento ou evasivo.
Fora que o emocional é um componente determinante e, dependendo do dia, a mesma gravação ouvida várias e várias vezes, soa completamente diferente. Essa dinâmica é o mais incrível que pode ocorrer, principalmente naqueles discos que te acompanham por muitos e muitos anos.
Mas escrevi toda essa longa introdução para falar de algo que, há muito tempo, tenho o desejo de abordar. A reclamação constante que ouço de que a música está, há muito tempo, passando por um hiato de criatividade e novos talentos. Ouço, mas não concordo, pois a música de qualidade em qualquer gênero, jamais foi divulgada com ênfase pelas mídias “tradicionais”. Sempre tive que peregrinar por lojas, sebos e esfolar a sola do sapato para encontrar o que buscava. Ninguém me deu de mão beijada as gravações que descobri e nas quais, por conta e risco, investi meu suado dinheiro.
Claro que a rede de amigos, também apaixonados por música, trocava informações, fitas K7 com as novidades, mas tudo era muito mais difícil que agora, pois não havia essa comunicação instantânea global em que você acessa o que quiser em tempo real.
Quando conto para meus filhos como seu pai fazia pesquisas para trabalhos de escola, eles arregalam os olhos e duvidam, achando que estou inflando as dificuldades, de pegar um ônibus, ir até a biblioteca municipal do centro da cidade, rezar para não estar lotada e os livros de pesquisa estarem a disposição para uso.
Quando falo então do bloco de 50 folhas de sulfite, usados para anotar tudo, e as horas e mais horas gastas neste processo, só escuto: “Ainda bem que não nasci nessa época”.
Pois é, no entanto, eu os lembro que ter tudo à mão não significa estar com o que existe de qualidade ao seu alcance. Pois a música de qualidade é ainda mais difícil de encontrar, tamanha a quantidade de lixo que se produz e se comercializa hoje.
E separar o joio do trigo se tornou uma ação que também leva tempo, paciência e disposição (características raras em qualquer adolescente que sempre quer tudo mastigado). Porém, depois de descoberta a estrada que nos leva ao Shangrilá sonoro, você irá se surpreender com a quantidade enorme de gravações artisticamente primorosas que se produziu nos últimos 30 anos!
E ainda que eu viva escrevendo aqui, nessas páginas, das limitações do streamer, as plataformas de música estão resgatando obras primas que, sem elas, estariam perdidas para sempre. Desde que assinei o Tidal, no começo deste ano, para testar os Music Servers e streamers que vieram para teste, guardo ao menos duas horas dos meus finais de semana para navegar e buscar “preciosidades” que sempre quis conhecer, mas que ficaram inacessíveis com o preço da importação de discos e livros neste país. Então, resgatar esses trabalhos e poder ouvi-los com a devida atenção que merecem, é um presente e tanto para um ano tão complicado.
Em 11 meses de Tidal, minha coleção pessoal já beira 1000 discos! Um feito que demoraria, no mínimo, uma década para atingir com mídia física (já que nos últimos tempos, eu comprava de 90 a 120 discos por ano).
Mas, como escrevi no título: segredos bem guardados estão longe dos olhos. Então, em uma plataforma com milhões de gravações, achar as “pérolas” exige todos os atributos que escrevi algumas linhas acima: tempo, paciência e determinação. Imbuído desses propósitos, você certamente descobrirá como eu a quantidade de gravações obrigatórias que merecem ser ouvidas, divulgadas e compartilhadas com amigos e entes queridos.
Para mim este foi o maior presente que ganhei em muitos e muitos anos!
Se você continua com a opinião que não se produziu música de qualidade neste século, faça sua assinatura e descubra a quantidade de obras que estão submersas e que merecem ser conhecidas.
Garanto que você ficará surpreso como eu!
Um 2021 mais harmonioso para todos!