Opinião: AS CURVAS DE EQUALIZAÇÃO & A VIABILIZAÇÃO DO LP

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Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br

Uma das duas funções de um pré de phono é a de amplificar o sinal vindo da cápsula, na leitura do LP, de maneira a elevá-lo ao mesmo nível do sinal de linha – o que implica em um aumento de volume que varia de aproximadamente 40 dB (para cápsulas MM) até quase 70 dB (para cápsulas MC) – ou seja, gigantesco. Afinal, o sinal que a cápsula provê na leitura do disco é incrivelmente baixo, e por isso os toca-discos são tão sensíveis a ruídos gerados por interferências eletromagnéticas, que vão desde os transformadores dos aparelhos próximos, linhas de eletricidade, até estações de rádio e TV, e o que mais estiver poluindo o ar.

A segunda finalidade, também obrigatória, de um pré de phono, é a de aplicar uma curva de equalização para correção da curva aplicada na prensagem dos discos de vinil – que é usualmente a Curva RIAA (veja gráfico) ou variações. Uma curva de equalização precisa ser aplicada para que seja possível registrar uma certa quantidade de minutos de cada lado do LP, pois se fosse gravada música nos discos sem essa curva, teríamos sulcos enormes devido à quantidade de graves, ou simplesmente o corte de um específico sulco invadiria o sulco anterior, devido ao seu tamanho. Mas a questão também tem a ver com vibrações, já que mecanicamente a leitura desses sulcos enormes seria uma enorme demanda física sobre um braço e cápsula de um toca-discos de vinil – além dos discos terem que ser gigantescos.

Curvas de correção – chamadas de ‘recording characteristic’ – existem desde a época dos discos de 78 rotações, desde a década de 1920, sempre pelo mesmo motivo: a relação entre a quantidade de graves e o tamanho dos sulcos em um lado do disco de vinil. Já na década seguinte, a reprodução de discos de 78 RPM nas rádios começou a passar pela aplicação inversa da curva de correção – ou seja, o que foi atenuado de graves teve que ser reforçado, para que o sinal voltasse a ser o mais próximo do captado pelos microfones nas gravações – e a melhora da qualidade de som foi nítida, dentro dos padrões da época, claro.

Como funciona? Uma equalização é aplicada ao sinal, à gravação, no momento em que a mesma é gravada nas master físicas que irão prensar os discos de vinil. Os graves são atenuados violentamente, em até 20 dB (afinal é uma ‘curva’), para que a música caiba em um espaço pré definido – a superfície do lado do disco – e o faça com um tamanho de sulco que, mecanicamente, possa ser ‘lido’ por todo e qualquer toca-discos de vinil sem esforço. Ao mesmo tempo, essa curva de equalização também aplica um igualmente violento reforço nos agudos, também de 20 dB, que aumenta a quantidade de informação de agudos armazenada no LP. A hora que o disco é reproduzido, a compensação é feita – aumentando os graves em 20 dB e diminuindo os agudos em 20 dB – a resposta de graves é ‘recuperada’, e a atenuação dos agudos mantém a quantidade de informação, mas atua com um redutor de ruídos (simplesmente por diminuir o volume dos mesmos), já que essa mídia vinil, por sua natureza mecânica, tende a ser bastante ruidosa.

Até o surgimento, o estabelecimento em 1954, da Curva RIAA como padrão de correção da gravação dos LPs – ano que coincide especialmente com os primórdios da gravação estéreo de alta-qualidade – o cenário que vinha desde a década de 20 era de cada um criar a sua própria curva e, depois, a partir da década de 40, várias entidades se esforçaram para padronizar a curva, como a NAB (National Association of Broadcasters) e a AES (Audio Engineering Society). A curva que acabou sendo adotada por várias entidades ao mesmo tempo, e tornou-se depois o padrão de mercado, foi a RIAA (Recording Industry Association of America), que era idêntica à já utilizada por muitos desde o advento do LP de 33 RPM, e idêntica à criada pela RCA Victor, chamada de New Orthophonic – originária de 1949, quando a RCA e a Columbia travaram uma ‘guerra’ pelo então criado formato LP.

Para quem se pergunta porque o padrão mundial foi criado por uma associação americana, a explicação está no fato de nos EUA, já na década de 1930, quase todos os lares já tinham energia elétrica, enquanto que na Europa isso não era ainda tão difundido, e os europeus ainda na década de 1950 utilizavam gramofones mecânicos e ouviam ainda discos de 78 RPM. Enquanto isso, duas empresas americanas, a RCA Victor e Columbia, já criavam o LP de 33 RPM com toda a eletrônica embarcada necessária para sua reprodução. Muitas regiões do mundo só adotaram o LP (e a curva RIAA) na década de 1960, e ainda assim o padrão mono permaneceu por boa parte dessa mesma década.

Ao longo dos anos, várias alterações na curva RIAA foram propostas, como a IEC RIAA – que visava diminuir o ruído subsônico do vinil. Assim como quase todos os selos de gravação usavam curvas particulares deles, geralmente apenas com pequenas alterações sobre a original RIAA – variando amplitude total e, mesmo, a amplitude em cada frequência. Cada um tinha seus motivos, e muita dessa utilização de algo ‘fora do padrão’ veio de anos e anos antes da RIAA passar a propagandear-se como ‘padrão’. E mesmo assim, demorou muitos anos para a mesma ser aceita totalmente. Outro fator é que a especificação técnica da curva RIAA não era muito clara, e desvios de até 2 dB (enormes!) eram plenamente aceitos. Cada uma – como EMI, RCA, NAB, AES, Columbia, CCIR, London, Decca, Teldec – tinha suas pequenas e até ‘grandes’ variações e adaptações.

O objetivo dessas curvas diferentes, o que as gravadoras pretendiam atingir com isso, é assunto para longo debate e para poucas conclusões – mesmo porque a maioria esmagadora dos ouvintes, praticamente todos na verdade, não tinham como aplicar na reprodução em seus sistemas o inverso dessas curvas, a compensação, na hora da amplificação.

Vale salientar que, na década de 1950, quando se popularizou o LP de 33 RPM, tanto mono quanto estéreo, foi quando cada um dos selos de gravação usava sua própria curva de correção (ainda que fosse apenas pequenas variações sobre o que depois virou a RIAA padrão), e foi quando popularizou-se a inserção de controles tonais nos aparelhos de som! E muitos dizem que o uso desses controles não era feito para que o equilíbrio tonal fosse ‘à gosto do freguês’, mas sim para a correção e adequação de cada equalização diferente em cada disco (leia-se: tornar cada disco audível). Ambos ‘erros’ perduraram por muito mais décadas…

Eu só mexi em dois prés de phono na minha vida que tivessem várias curvas para se escolher na hora da reprodução – como, por exemplo, selecionar a compensação da curva Columbia quando se estivesse ouvindo LPs desse selo, ou aplicar a correção Philips quando estivesse curtindo um LP dessa gigante gravadora holandesa. Um dos dois prés de phono deu resultados esquisitos e duvidosos, e o outro deu resultados excelentes. Vai entender! Minha visão, ainda não suficientemente informada sobre isso, me diz que, se a um selo mudava a curva RIAA para obter menos graves, ou dava ênfase em alguma frequência, era porque queriam que os ouvintes normais com aparelhos comuns em suas casas, ouvissem seus discos com essas mudanças. Mas isso é um raciocínio que dá conta de um mundo onde a RIAA é o padrão da prensagem dos vinis e dos aparelhos de som caseiros também.

E o mundo audiófilo talvez tenha criado prés de phono com essas específicas variações de curvas, com o intuito de desfazer o que essas gravadoras fizeram – como se a ideia de fazer essas alterações na curva padrão de equalização tivessem sido ‘más ideias’ (e provavelmente foram mesmo).

Eu ainda não cheguei a uma conclusão sólida – mas se alguém quiser opinar, meu endereço de e-mail está no topo deste artigo.

Boa música e boas audições de vinil!

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