Opinião: O MITO DO AMPLIFICADOR DE POUCOS WATTS COM CAIXAS DE ALTA SENSIBILIDADE

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Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br

Durante um tempo, na vida de todo audiófilo, ele começa a achar que a pura expressão da musicalidade em um sistema é o mitológico som quente e cheio e meloso dos amplificadores valvulados. Por que “mitológico”? Porque nem todo valvulado tem isso, nem todo equilibra bem, e existem até valvulados que irão decepcionar o ‘Valvuleiro de Primeira Viagem’ – tanto para o lado de uma certa frieza não esperada, como para o lado de uma melosidade tamanha que irá assassinar todos os detalhes, micro-dinâmica, extensão, ar, recorte e definição, texturas, etc.

Todo audiófilo, um dia na vida, passa a pensar em válvulas. Ele começa a se cansar de ouvir em seu sistema mais ‘detalhamento’ do que a vida real pode oferecer, cansa de um som analítico e irritante – que causa o maior pecado jamais pensado pelo Fernando
Andrette: além de causar fadiga auditiva, impede você de curtir certas gravações que são limítrofes em matéria de irritação, por não serem tecnicamente bem-feitas, mas são adoráveis musicalmente. Pô, música vem em primeiro lugar! Se a pessoa não puder ter um sistema audiófilo, vai ter que ser um microsystem menos indecente possível, ou até mesmo um fone de ouvido honesto!

Aí o sujeito fica ‘fatigado de tanta fadiga’, de um hiper-realismo, de uma artificialidade (que por um tempo é até sedutora) que não está trazendo a ele iluminação nenhuma em relação à música que ouve, e acaba trocando a amplificação por uma valvulada, do jeito que ele queria. Tudo, exatamente tudo, fica mais macio que o colo da vovó. Escorre mel pelo duto das caixas (não use valvulado com caixas seladas, pois o mel fica todo retido dentro dela, e um dia elas explodem, e o mundo passa a ser regido pelas abelhas… rs…).

Aí o nosso audiófilo ‘modelo’, depois de alguns anos assim, começa a perceber a falta de texturas claras e corretas, sente falta de extensão de agudos, do ar, sente falta do recorte nos graves, de distinguir com facilidade um baixo de um bumbo – pega seu pré e seu power valvulados e troca o pré por um transistorizado, e o tempero melhora! Aí ele inverte, põe um power transistor com pré valvulado, e ainda mais coisas aparecem, e ele se dá por contente! Até que começa a ouvir alguns sistemas totalmente transistorizados,
bem-casados, de alto nível, e percebe que com uma boa dose de dificuldade, maturidade e investimento, vai conseguir musicalidade, folga e organicidade sem precisar ficar fazendo mistura de temperos – e, diga-se de passagem: uma musicalidade, folga e organicidade que ele simplesmente não conseguiria com os ‘temperos’, e vai pensar “por que não parti para esse caminho antes?!?”. Bom, a vida é um processo…

Claro que, até aí, o nosso audiófilo também teve problemas de potência, pois se ele tiver uma sala de tamanho médio ou grande, com caixas grandes, ele vai sentir falta de potência até mesmo com valvulados de 30 Watts! Uma vez, anos atrás, fiz uma avaliação mais séria, de um sistema com caixas torre com menos de 90 dB de sensibilidade, em uma sala pequena de pouco mais de 12 metros quadrados. O power tinha como mostrar a potência imediata que estava sendo consumida, tanto nos ponteiros do VU, como em um mostrador digital. E, ouvindo jazz, com volumes realistas, com média de 75 a 85 dB de pressão sonora, com picos de 95 a quase 100 dB – ou seja, picos de grande realismo dinâmico – o resultado foi uma média de 10 Watts usados, mas os picos batiam 45 Watts!!!! Ou seja, a grosso modo, um sistema com uma caixa de menos de 90 dB de sensibilidade, em uma sala pequena, com um amplificador de apenas 30 Watts por canal, já teria uma performance prejudicada de qualquer maneira.

Mas tem audiófilos que usam menos de 10 Watts para quererem empurrar caixas de 90 dB ou menos de sensibilidade – e na prática isso já é uma performance prejudicada de várias maneiras. E esse é um dos motivos pelos quais, quando a pessoa começa a usar power transistorizado com o pré valvulado dele, nesse tipo de sistema, ele ‘cai pra trás’ com uma série de ganhos de qualidade sonora.
Mas e a questão das caixas de alta sensibilidade, com amplificação valvulada de baixa potência?

Muitas vezes a função da escolha por uma caixa de alta sensibilidade (usualmente de 95 a 110 dB de sensibilidade) tem a ver com casá-la com uma devida e já escolhida, amplificação de baixa potência – que são 99% valvulados com potências entre 3 e 10 ou 12 Watts por canal. Aí entra forte a mítica da musicalidade maior do valvulado de baixa potência – mas, ora, se faltam informações em sua sonoridade, informações e aspectos qualitativos inerentes ao acontecimento musical real, então não podemos chamar de ‘musical’, não é verdade? Já que ‘musical’ é aquilo que latentemente mostra a música como um todo. Por isso, em nossa Metodologia, a nota do quesito Musicalidade é sempre mais ou menos a média das notas dos quesitos anteriores – os quais exemplificam a maioria dos aspectos Qualitativos, da qualidade sonora provida ou representada pelo equipamento analisado. Ou seja, a noção usada por muitos de ‘Musicalidade’ tem a ver com o caráter sonoro do equipamento, e não com aspectos qualitativos.

Muitas caixas antigas, com woofers muito grandes usando bobinas pequenas, usualmente com médios ou tweeters tipo corneta (horn), são caixas que ostentam uma sensibilidade bastante alta, provavelmente a mais alta que existe no mercado. Seu ‘casamento’ com valvulados provê um som mais doce, que combina melhor com o brilho que cornetas dão ao médio, médio-agudo e agudo. É muito difícil projetar (e tocar) uma corneta que não apresente coloração – alteração no timbre dos instrumentos – por causa do reflexo causado pela própria estrutura dela. Mas é preciso pensar que: o amplificador com som mais aveludado e com menos brilho e extensão de agudos, que privilegia os médios e o graves, mais o uso de cabos que entreguem uma assinatura mais suave, mais centrada nos médios e graves, ligados em uma caixa corneta de alta sensibilidade, poderão até tocam bonito – mas, por razões óbvias, informações musicais estarão sendo perdidas e poderão, até estar sendo distorcidas. Isso não é ‘Alta Fidelidade’…

Fora que existem outros problemas: eu nunca encontrei uma caixa de alta sensibilidade que não desse melhores e mais bem definidos – e muito melhor controlados – graves e médios-graves. Uma vez fiz uma experiência com uma caixa mais moderna, corneta com woofers normais, de 7 polegadas. Essa caixa ostentava uma sensibilidade de 99 dB. Deve ser facinho empurrar ela, certo? Bom, liguei um amplificador de 12 Watts por canal, e o resultado foi um som bem alto, mas sem controle algum do grave, e portanto, tendendo ao som magro, com desequilíbrio tonal. Uai! Ela não tem 99 dB? Então por que não dá graves bons?

Aí mudei o teste, pondo um integrado que dava mais de 100 Watts por canal. Resultado: um equilíbrio tonal imensamente superior, com controle de graves – velocidade, peso e recorte dos graves, em vez de algo embolado, sujo e magro. Qual é a ‘pegadinha’? Olha, esse é um caso extremo, mas o problema aí está em dois fatores: (1) as caixas, mesmo de alta sensibilidade, não eram de ‘baixa potência’, podiam aceitar até a potência de 200 Watts. O quesito para se saber se uma caixa é fácil de tocar com baixa potência, não é só a sensibilidade. (2) As caixas tinham três woofers de 7 cada uma – ou seja, uma área de cone de 21 polegadas! Claro que são falantes modernos, com cones mais leves, mas mesmo assim…

Mas, em outras caixas de alta sensibilidade, com falantes de 12 e 15 polegadas, projetos antigos, cone de papel, essa imensa área de cone é pesada e, portanto, difícil de ‘mexer cone’, difícil de empurrar com poucos Watts – mesmo sendo a bobina pequena e mais eficiente. O resultado: volume de som até faz… Mas se você trocar o pequeno valvulado de 8 a 12Watts (ou menos!) por um amplificador de 50Watts, o cone vibra e mexe com muito mais facilidade, e os graves serão imensamente superiores por isso!

Existem opções de melhor qualidade, onde pode-se ter um valvulado de potência semi-baixa que tenha qualidades sonoras superiores? Sim, mas são poucos, e são extremamente caros, e eu já ouvi valvuleiros falando que alguns não dão o som ‘doce’, cheio e aveludado que procuram…

E as caixas? Existem boas com alta sensibilidade? Com o avanço tecnológico dos falantes e dos componentes de divisor de frequência – cuja melhor qualidade sonora obtida nos últimos anos é diretamente ligada ao uso de woofer menores, com bobinas maiores, e cones mais leves feitos de materiais especiais ou combinação deles, a minha resposta é: não acredito que existam. Simplesmente porque eu não abro mão dos avanços em qualidade sonora e performance das caixas mais modernas.

Comparar assim aquilo que é antigo por idade ou por concepção, é o mesmo que comparar um VW Passat Pointer GTS 1.8l 1985, um carro de luxo e performance para sua época, com um equivalente atual, como um Honda Civic ou um Toyota Corolla – e achar que ambos possam ter aspectos semelhantes, como performance, conforto, segurança, estilo e tecnologia, seria, no mínimo, ingenuidade. Adoro carros antigos, mas o mundo gira e as coisas continuam evoluindo.

Bom abril! E não ouçam música alto depois das 22hs!

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