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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Se o Soundstage é o quesito preferido da grande maioria dos audiófilos iniciantes e experientes, certamente a Textura é a maior ‘pedra no sapato’.

Como eu sei? Observando nos nossos Cursos de Percepção Auditiva, as caras de dúvidas e perguntas feitas pelos participantes.

Textura e Timbre, para quem não tem nenhuma familiaridade com instrumentos musicais, é realmente um grande mistério.

Ao longo dos anos fui desenvolvendo inúmeras analogias com objetos, que os participantes pudessem tocar e através do tato descrever se aquele objeto era macio, áspero, liso como tecidos e cascas de frutas colocadas em uma caixa lacrada em que as pessoas precisavam enfiar as mãos para explorar o objeto.

Para então entrar na parte espinhosa de tentar explicar do que se trata a Textura Musical e suas diversas maneiras de serem expressas em uma obra musical.

Pois, se o timbre define que instrumento estamos ouvindo, a Textura define as características de cada instrumento soando ao mesmo tempo em uma obra musical.

Na música existe a Textura Monofônica, que é a textura musical mais antiga e primitiva que existe, quando apenas um instrumento executa a linha melódica – embora com a evolução musical essas texturas tenham passado a serem apresentadas também por várias vozes na mesma nota, mas com uma oitava acima ou abaixo da linha melódica central.

Exemplos: Canto Gregoriano, ou a música asiática principalmente da China e Japão.

É muito interessante iniciar o estudo do quesito Textura por esses exemplos Monofônicos, pois permite guardarmos em nossa memória auditiva a diferença entre um único instrumento soando e suas variações múltiplas de oitavas.

Pois em um sistema com boa reprodução deste quesito, será perceptível que não temos que fazer esforço algum para identificar quantos instrumentos estão executando aquela melodia e as oitavas distintas.

“E se o meu sistema for pobre na apresentação deste quesito, Andrette, como saberei?”

Simplesmente você terá dificuldade para reconhecer quantas oitavas acima ou abaixo da nota central estão sendo tocadas. Simples assim!

Você não terá que fazer pós-graduação em física quântica, escalar o pico do Himalaia com as unhas da mão cortadas, e nem tão pouco pular no desfiladeiro do Grand Canyon.

É colocar um exemplo de uma melodia tocada por um instrumento só, e saber que nessa gravação as notas estão dobradas ou quadruplicadas em oitavas distintas. Você saberá que as notas estão dobradas pela enorme diferença de densidade sonora (corpo harmônico e volume).

A segunda Textura é a Bifônica.

Essa Textura musical consiste de duas linhas melódicas no qual uma nota mais grave fica soando constantemente para que a melodia em tons acima dessa nota grave, possa dar sentido ao discurso musical.

Ela é muito usada na música clássica e com intencionalidades complexas e requintadas, a partir do período Barroco.
Mas a música popular também faz uso da Textura Bifônica, e um dos exemplos mais consistentes se encontra na música escocesa no uso da Gaita de Fole. Em que o gaiteiro usa o tubo principal para tocar a melodia enquanto que tubos secundários tocam as notas de acompanhamento da região grave.

Tanto na música Barroca quanto na música popular, que utilizam a textura Bifônica, a linha de grave se sustenta sempre em duas ou três notas no máximo.

Claro que se o sistema não passou pelo primeiro exemplo com canto gregoriano, da textura Monofônica, será uma perda de tempo achar que ele se sairá melhor com a Textura Bifônica.

E aí fazemos uma pausa, antes de falarmos das outras duas Texturas existentes.

Pois precisamos explicar a quem não fez nossos Cursos da importância deste quesito em nossas avaliações. Textura é sem dúvida o segundo quesito mais interdependente de outros quesitos de nossa Metodologia.

Pois se o Equilíbrio Tonal não for o melhor possível, as Texturas serão pobres, e não é só isso: se o foco e recorte não forem excelentes, as Texturas, quando tivermos exemplos musicais de diferentes instrumentos tocados em uníssono, serão difíceis de entender. E, por último e não menos importante, Texturas também precisam de uma boa microdinâmica para serem reconhecidas e apreciadas em toda sua fidelidade.

Mais interdependente que a Textura, apenas a Musicalidade que é a soma de todos os sete quesitos!

Por isso, meu amigo, que sou tão cuidadoso na apresentação desse quesito em nossos testes e procuro dar uma ideia consistente do nível que o produto se encontra e sempre deixo claro o grau de resposta da ‘intencionalidade’ de cada produto avaliado.

Sem esse ‘detalhe’ não é possível colocar bons produtos juntos com os Estado da Arte.

Quando algum engenheiro objetivista com maior flexibilidade, começa a compreender nossa Metodologia, eu sempre pergunto a ele o que nas medições poderia avaliar a qualidade da textura? E aí apresento os mesmos exemplos musicais em diferentes eletrônicos, caixas e fontes digitais e analógicas e sempre uso exemplos do quesito Textura.
E eles ficam surpresos como o mesmo exemplo soa tão distinto em produtos diferentes, sem alterar o equilíbrio tonal, transientes, soundstage, etc. São questões que eles não consideram dentro do seu universo objetivista como relevantes e, no entanto, é justamente a Textura somada aos seus pares (equilíbrio tonal, foco, recorte e microdinâmica), que irá determinar o refinamento final de cada produto.

Vejo lamentavelmente isso também ocorrer com inúmeros testes subjetivistas, em que a Textura e o equilíbrio tonal são tratados como ‘gosto pessoal’, e não quesitos que irão determinar o nível de fidelidade do produto avaliado. O que posso reiterar a todos vocês que nos leem, é que sem a mais correta reprodução desses dois quesitos, nenhum produto deveria receber o selo de ‘alta fidelidade’!

Não existe concessão a esses dois quesitos, muito menos atalhos para se chegar do outro lado da ponte.

Feita essa explicação, voltemos às duas últimas Texturas. Temos a Heterofônica, que ainda tem como base a monofônica, mas difere desta pelo fato de utilizar vários instrumentos distintos tocando a mesma melodia, mas com diferentes variações de altura, pausa e colocação de notas em pontos distintos.

Os melhores exemplos de Textura Heterofônica estão na música tradicional do oriente médio, e de inúmeros países da Ásia. Soam estranhas a nossos ouvidos ocidentais, mas se o amigo tiver um sistema Estado da Arte, hiper bem ajustado, você se surpreenderá com a riqueza de texturas e o grau de inteligibilidade (se a gravação tecnicamente permitir), que se pode escutar sem nenhum esforço adicional.

Não indico essas gravações pois a grande maioria tem muitas variações rítmicas e que, para se poder desfrutar dessas obras, a qualidade de resposta de transientes também tem que ser de alto nível.

Então chegamos na textura Homofônica, sendo a mais utilizada e conhecida na música ocidental. Consiste em uma linha melódica principal acompanhada por vozes ou instrumentos solo, que executam a melodia e são acompanhados por instrumentação de apoio secundário. A diferença para a Polifônica se dá pelo uso de várias linhas melódicas que se entrelaçam, ao contrário da Polifônica que sempre é uma única linha melódica.

Encontramos a Textura Homofônica em quase todos os estilos musicais contemporâneos.

Ninguém precisará ‘decorar’ esses quatro tipos de textura para aprender a avaliar esse quesito em seu sistema. A única coisa que todos precisam saber é que a Textura musical é a maneira pela qual melodia, ritmo e harmonia se combinam em uma composição, nos mostrando o resultado dessa soma na qualidade da obra musical. E quando essas obras são reproduzidas em um sistema hi-end muito bem ajustado, percebemos auditivamente o grau de criatividade e complexidade no arranjo e na execução.

Porém existe um terceiro elemento chamado intencionalidade, que apenas os sistemas superlativos e as gravações tecnicamente de alto nível registram.

E aí a ‘porca torce o rabo’, pois bons sistemas não têm a menor dificuldade de nos mostrar a criatividade da música.
E excelentes sistemas mostram a criatividade e a complexidade do que ouvimos e apreciamos.

Mas apenas os sistemas ‘Superlativos’ nos apresentam em todo seu esplendor a criatividade, complexidade e a intencionalidade.

O interessante é que nos meus 30 anos como editor de revista de áudio, jamais vi nenhum RCA (revisor crítico de áudio), sequer citar a intencionalidade como o ápice da reprodução deste quesito.

E muitos até descrevem subjetivamente, com adjetivos, essa ‘intencionalidade’ como algo mágico, sedutor, cativante, etc. Sem no entanto compreender a magnitude de podermos ‘observar’ sorrateiramente as intenções existentes por trás de um tema, de uma complexa harmonia de difícil execução, ou das interpretações distintas pela técnica de digitação do solista ou do vocal.

Você só irá se familiarizar com a ‘intencionalidade’ se tiver a oportunidade de ouvir, em um sistema Estado da Arte, a mesma obra gravada por solistas com níveis de virtuosidade distintos.

Eu sempre recomendo, para exercitar a memória auditiva para a intencionalidade, solos de piano, violino, saxofone e cello. E para os apaixonados por vozes femininas (como eu), ouvir o mesmo tema cantado pela Ella Fitzgerald, e por todas as outras excelentes cantoras.

E acredite, meu amigo, quando você escuta pela primeira vez em um sistema superlativo essa qualidade, de ouvir precisamente o que estava por de trás daquela passagem melódica, rítmica e de harmonia, nos mostrando como o solista resolveu aquela passagem complexa sem nenhum suor ou lágrima adicional, é que podemos separar os produtos de Referência dos grandes produtos.

Algo complexo de entender na intencionalidade, é que não tem relação alguma com um sistema hiper-realista, pois não se trata de melhor transparência. Estamos falando de uma qualidade musical e não de um aprimoramento da reprodução musical.

Tentarei dar um exemplo que presenciei há alguns anos, na Sala São Paulo, em um show de lançamento de um disco da querida amiga Jane Duboc. Ela estava sendo acompanhada pelo seu trio, e de repente ela viu que o Egberto Gismonti estava na platéia e o convidou para dar uma ‘palhinha’. Até aquele momento, eu estava fazendo um grande esforço para ouvir o piano junto com a voz da Jane Duboc. E no primeiro acorde que o Egberto tocou, o piano se fez pleno na Sala São Paulo.

Isso, meu amigo, é o que separa o músico esforçado e disciplinado do virtuose, pela técnica de digitação e domínio completo do instrumento. E quando ouvimos essa diferença, parte dela se explica pela intencionalidade, que ao vivo é muito mais fácil de comparar e compreender.

Já na reprodução eletrônica, é preciso que na hora da gravação, essa diferença tenha sido captada e não tenha se perdido em todas as etapas posteriores.

Darei alguns exemplos para o amigo ir se familiarizando com a avaliação de Textura de seus sistemas – mas para aqueles que gostam de explorar desafios, sugiro também, além dos exemplos que indicarei, ouvir gravações bem feitas de Canto Gregoriano (o selo Philips tem excelentes gravações) para avaliar como o sistema se comporta com textura monofônica, e os corais de Bach e suas fugas, consideradas pelo uso de quatro vozes como Textura Polifônica. Sugiro, para estudo das Texturas Polifônicas, as gravações do selo Harmonia Mundi.

OK?

E para os que preferem ir degrau a degrau, vou dar os mesmos exemplos que utilizo em nosso Curso de Percepção, e sempre os uso para fechar a nota dos produtos testados nesse quesito.

Quartetos de cordas são, na minha opinião, os exemplos mais didáticos e fáceis de memorizar. Um exemplo: Hagen Quartett, disco Beethoven op 130 & fuga op 133, as faixas 6 e 7 (Adágio e Fuga de Mozart) – uma gravação primorosa de se ouvir silenciosamente, do selo DGG – Deutsche Grammophon.

OUÇA HAGEN QUARTETT – BEETHOVEN OP 130 / FUGA OP 133, NO TIDAL.

Se você tem um bom fone de ouvido, sugiro que ouça primeiro no fone antes de passar para o sistema. Pois será importante memorizar a melodia antes de sair buscando acompanhar as quatro vozes – que estão distribuídas da seguinte forma: primeiro violino soando dentro da caixa esquerda, segundo violino atrás do primeiro, mas soando fora da caixa esquerda, viola paralela ao segundo violino com mais de um metro e meio de distância atrás da caixa direita, e cello dentro da caixa direita.

Não existe, para esse quesito, melhor gravação para avaliar textura de qualquer equipamento (até para cabo eu uso).
Atenção às dicas: se você, assim que entram os quatro instrumentos, tiver dificuldade em acompanhar os dois violinos a sua esquerda, sua textura está comprometida. Se algum dos quatro instrumentos se perde no meio da execução, mas depois você recupera todos sem esforço, pode ser posicionamento errado das caixas, dificultando o foco e recorte. Antes de arrancar os pelos do nariz com as unhas, tente reposicionar as caixas! E, a última dica, se o primeiro violino soar estridente, com brilho, e duro, ‘volte seis casas’ e repense seu Equilíbrio Tonal.

Essa gravação, em um sistema com equilíbrio tonal correto, soundstage bem feito, silêncio de fundo ótimo para as variações de microdinâmica, permitirá você acompanhar essa obra sem esforço algum e, ao final, suspirar de alívio e torpor de ouvir algo tão sublime!

Lembra do nosso disco Genuinamente Brasileiro Volume 1, do mês passado? Agora você vai ouvir o quarteto da faixa 5 – Tristeza do Jeca. Aqui os mesmos procedimentos do primeiro disco são válidos.

OUÇA GENUINAMENTE BRASILEIRO VOLUME 1, NO TIDAL.

O primeiro violino está dentro da caixa esquerda, o segundo violino atrás do primeiro, mas já fora da caixa, a viola está na mesma linha do segundo violino com uma distância entre eles de 2m (foi assim que estavam na gravação) fora da caixa direita, e o cello está dentro da caixa direita.

Interessante é que se pode perfeitamente ouvir a reverberação de fundo atrás do segundo violino e da viola.

Dicas: se os violinos soarem estridentes, ‘volte as seis casas’ e corrija seu Equilíbrio Tonal. Se o segundo violino some e depois volta, assim como a viola, estude o ajuste da posição de suas caixas, para melhorar foco, recorte e planos. E quando tudo estiver ajustado, esforço zero para ouvir o ‘todo’ sem perder as partes.

E no belo arranjo do pianista Amilson Godoy, ele ‘intencionalmente’ potencializou a beleza do pizzicato em determinado momento dos quatro instrumentos, criando uma leveza rítmica graciosa.

Eu uso justamente essa faixa e destaco esse momento para os engenheiros objetivistas, mostrando que essa ‘intencionalidade’ pode soar apenas formal e raramente graciosa, ou, tão leve e ao mesmo tempo precisa!
Isso meu amigo, é um singelo exemplo de intencionalidade. Mas existem milhares e milhares de gravações com esses sutis momentos sublimes!

Para os afoitos para saber o grau de textura de seus sistemas, que querem os desafios maiores, aqui temos uma gravação limitada tecnicamente e uma gravação primorosa.

Mostro ambas, pois a limitada somente soará ‘confortável’ em sistemas superlativos – no resto, esqueça.
É a gravação ao vivo de Astor Piazzolla e seu Quinteto Tango Nuevo, no The Vienna Concert. O problema dessa gravação é quando o bandoneon, o piano, a guitarra e o violino estão tocando em regiões muito próximas (principalmente nas duas oitavas mais altas desses instrumentos). Aí o bicho pega, e pega pra valer!

Se seu sistema for superlativo, será possível acompanhar todos os instrumentos e ainda apreciar o grau de complexidade dos arranjos e a harmonização entre os músicos. Intencionalmente, Astor Piazzolla estava inspiradíssimo ao escrever esses arranjos para seu Quinteto.

E a gravação espetacular é, novamente, o Pictures At An Exhibition com a Orquestra de Minnesota sob a regência de Eiji Oue. Gravação primorosa do engenheiro Professor Keith O. Johnson para o selo Reference Recordings.

OUÇA PICTURES AT AN EXHIBITION, EIJI OUE – MINNESOTA ORCHESTRA, NO TIDAL.

Aqui, meu amigo, fique à vontade e escolha sua faixa preferida.

Para mim, Ravel foi o maior gênio na harmonização de Texturas que tivemos. Se você ler um artigo meu escrito alguns anos atrás, eu explico como foi feito o arranjo por Ravel dessa peça escrita por Modest Mussorgsky inicialmente para piano solo.

E como os instrumentos solo vão entrando para repetir o tema, tornando as Texturas cada vez mais complexas e impressionantes. O grau de intencionalidade dessa obra é magistral, e deveria ser usada por todos que querem descobrir o nível preciso de seus sistemas no quesito Textura.

Mas, lembre-se de um ‘pequeno’ detalhe: para ouvir essa obra em condições ideais, todos os quesitos da Metodologia precisam estar no mesmo patamar – ou seja, nenhum elo fraco pode estar presente.

Se o seu sistema está nesse patamar, divirta-se!

Mês que vem falaremos de Transientes, e o que nos leva a bater nossos pés no ritmo da música ou nos deixa prostrados como se estivéssemos caindo de sono.

Até lá façam a lição de casa e continuem o ajuste fino de seus sistemas!

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