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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Estou desde março ouvindo inúmeras novas cantoras, buscando ver se encontro talentos como o de Samara Joy, e até consegui ouvir algumas novas cantoras bastante promissoras, como a versátil e dona de uma voz poderosa Lady Blackbird (que indicarei no Playlist de agosto), porém enquanto escrevia o Opinião falando do quesito Textura de nossa Metodologia , citei como uma das maiores referências em vozes femininas Ella Fitzgerald, e isso ficou orbitando minha mente, até que decidi realizar este tributo à maior Dama do Jazz de todos os tempos!

E também a minha filha, que cada dia me surpreende mais com sua sensibilidade ao me mostrar sua playlist e ouvir Ella, Sinatra, Armstrong, entre inúmeros artistas novos que eu simplesmente desconhecia, e que me surpreenderam pelo seu talento – completamente na contramão do que a garotada em sua idade está curtindo.

Aí pensei, com meus botões: “será que nossos leitores mais jovens, que nos conheceram através da Audiofone, talvez não se interessem também em conhecer essa voz única que um dia viveu neste planeta?”.

As pessoas se comovem com a triste história de vida de Billie Holiday (sem dúvida trágica), e se esquecem que Ella também passou por enorme sofrimento e solidão antes de se tornar conhecida e admirada. Os pais se separaram logo após seu nascimento, em 1917, e aos 14 anos perdeu sua mãe e, pouco tempo depois, também seu padrasto e seu meio-irmão.

Ficando órfã, a menina ficou tão abalada com a sequência trágica, que abandonou a escola e foi trabalhar na noite, primeiro como vigia de um bordel em Nova York e depois foi trabalhar com a máfia de apostas ilegais. Até ser presa e encaminhada para um reformatório, do qual, devido aos maus tratos, fugiu para viver nas ruas, sem dinheiro, em plena depressão de 1923.

Havia, nas tardes de domingo no teatro Apollo, um show de calouros em que os ganhadores recebiam algum trocado, e Ella desesperada se inscreveu para dançar sapateado. Porém, ao subir ao palco, muda de opinião e resolve cantar uma música em homenagem a sua mãe, Judy, e os jurados ficaram impressionados com sua extensão de três oitavas, sua dicção impecável, afinação, e sua facilidade em cantar sem fazer esforço ou agredir as cordas vocais.

Atravessou a grande depressão fazendo bicos em serviços diários e se apresentando nos shows de calouros, até que em 1935 conseguiu um teste para a banda do baterista Chick Webb – que emplaca nas rádios e clubes de dança o sucesso A Tisket A Tasket – seria o início de sua retumbante carreira. Em 4 anos Ella, da cantora da Orquestra de Webb, se transformou na líder dessa mesma orquestra, com a morte do baterista.

O conjunto passa a se chamar Ella Fitzgerald and Her Famous Band. Foram anos de turnês por todo os Estados Unidos, e inúmeros discos gravados. No entanto, cantar e administrar uma banda foi deixando Ella insatisfeita, até que em 1941 decidiu acabar com a orquestra e seguir carreira solo.

Foi a decisão mais assertiva de toda sua carreira.

Assim que anunciou sua decisão, a gravadora inglesa Decca Records lhe ofereceu um excelente contrato em que, além de discos para o selo, ofereceu a ela participar da turnê mundial da Jazz at the Philarmonic, dirigida pelo empresário Norman Granz, e lhe deu a liberdade de participar de outras bandas, como a de Dizzy Gillespie.

Nas turnês com Dizzy, Ella aprimorou sua técnica de improvisação usando como referência o bebop e scat, para criar sons de instrumentos musicais com a voz. Lá ela conhece o baixista Ray Brown e se apaixonam. Ainda que o casamento não tenha durado muito, se tornaram amigos e fizeram inúmeros projetos e gravações, por décadas.

Ella finalmente estava lapidada para sua carreira solo, e Norman Granz, como um enorme descobridor de diamante brutos, em 1956 a convidou para fazer parte do seu selo Verve, e lhe propôs gravações de songbooks de compositores como: Cole Porter, Duke Ellington, Irving Berlin e Billy Strayhorn. Ella ‘enriqueceu’ as obras de todos esses compositores, ficando difícil a todos que vieram depois dela gravarem essas canções.

O compositor Ira Gershwin, em uma entrevista, disse: “Eu nunca soube como nossas canções eram boas até ouvir Ella Fitzgerald cantá-las”.

Ella fez duetos maravilhosos, e cantou em inúmeros shows como convidada de Frank Sinatra, Nat King Cole, Andy Williams, Bing Crosby, além de memoráveis turnês com Duke Ellington e Count Basie.

Mas a parceria em turnês e discos mais intensa foi sem dúvida com Louis Armstrong, e nos deixaram discos memoráveis!

Seu último show foi em 1991, no Carnegie Hall, em Nova York, já muito debilitada após uma cirurgia vascular para contornar seus sérios problemas de diabetes.

Em toda sua carreira, foram mais de 200 discos! E recebeu 13 Grammys!

Pessoalmente, acho que o ápice de sua carreira foi de 1950 a 1965 – cresci ouvindo todas as gravações desse período, diariamente. Meu pai era apaixonado por duas vozes: Ella e Sinatra. E ainda que ele gostasse de outros cantores(as), esses dois ocupavam em sua discoteca lugar de destaque absoluto. Fiquei realmente surpreso ao ouvir, na Playlist de minha filha, obras exatamente desse mesmo período, tanto que comentei com minha esposa que se meu pai estivesse vivo, iria se ‘derreter’ pelo gosto musical da neta.

Mas, se você ouvir atentamente esse período, é fácil observar o grau de refinamento e maturidade que Ella Fitzgerald atingiu, dando vida a tudo que cantou de maneira única. A sensação é que sua voz não só enriquecia, como dava um novo sentido às letras.

Fazer uma Playlist de obras de Ella Fitzgerald é uma das tarefas mais ingratas, pois sempre se cometerá injustiças! Para aliviar ‘minha barra’, disse a mim mesmo que o objetivo é o de apenas criar o interesse em ouvir sua extensa obra.

Afinal, escolher 4 discos entre 200, sempre haverá injustiças monumentais!

Vamos lá?

OUÇA PURE ELLA – ELLA FITZGERALD, NO TIDAL.

1- PURE ELLA (GRP remaster, 1994)

Faz muitos anos escrevi: “Se tivesse que ir para uma ilha deserta com apenas um disco, esse seria sem pestanejar: Pure Ella, nessa magnífica remasterização do selo GRP, de 1994”.

Meu amigo, essa é sem dúvida uma das gravações mais impressionantes do ápice da carreira de Ella. Sua interpretação para obras como Someone To Watch Over Me é simplesmente magistral!

Essa é uma compilação remasterizada do álbum lançado em 1950 – Ella Sings Gershwin (faixas de 1 a 8), e do álbum gravado em 1954 – Songs in a Mellow Mood (faixas de 9 a 20).

Dave Grusin, pianista, compositor e produtor, ao ter acesso à master original – em uma visita a Verve – dessas duas gravações, ficou impressionado com a qualidade técnica e como ambas estavam bem conservadas. E resolveu pedir autorização para remasterizá-las e relançá-las pelo seu selo GRP. Entregou a remasterização para o seu engenheiro de confiança, Erik Labson, e ganhamos essa obra-prima!

Falei, em 1996, desse relançamento em nossa seção de discos audiófilos e disse, na época, ser obrigatório para quem buscava uma reprodução equilibrada, natural e musical de seus sistemas.

E, a partir de 1999, esse passou a ser um dos nossos Discos da Metodologia, para avaliação de foco, recorte (pois Ella está de pé obviamente, ainda que muitos sistemas o posicionamento de caixas a coloquem ‘sentada’, no imaginário palco sonoro), equilíbrio tonal, textura e, claro, musicalidade!

Atualmente eu o uso apenas para fechar notas de Textura e Musicalidade.

Se você não conhece esse disco, desculpe, meu amigo, mas você ainda não conhece Ella Fitzgerald em toda sua plenitude!

OUÇA THE SONGBOOK 1956-1959 – ELLA FITZGERALD, NO TIDAL.

2- THE SONGBOOK (Verve Master Of Jazz, 1956 a 1959)

Observando as gerações de meus dois filhos, com uma diferença entre eles de exatamente uma década, noto que eles não são muito chegados a perder tempo pesquisando coisas que não sejam de seu mais profundo interesse.

Então, para facilitar (principalmente aos novos leitores da Audiofone entre 20 a 30 anos), resolvi abrir uma exceção à regra e indicar uma compilação do período, abrangendo as gravações de Ella acompanhada de várias Big Bands.

Sinatra, em uma longa entrevista dada ao New York Times nos anos 70, ao ser perguntado sobre os cantores que ele ‘admirava’, imediatamente corrigiu o entrevistador e disse “de todos, a mais admirável sempre será Ella”. E disse que suas gravações de Top Hat, Cheek to Cheek e How Deep Is The Ocean, são impossíveis de serem superadas.

Todas estão nessa compilação que estou indicando.

Se aceitam sugestões, comecem por ouvir a faixa 5 – How Deep Is The Ocean, e entenderão minha admiração por esse período de Ella Fitzgerald.

OUÇA PORGY AND BESS – ELLA FITZGERALD, NO TIDAL.

3- PORGY AND BESS – COM LOUIS ARMSTRONG (Verve, 1958)

Esse disco fez parte da trilha sonora de minha infância, por longos seis a sete anos. Se bobear, minhas primeiras mamadeiras e banhos foram feitas com meus pais ouvindo esse disco.

Lembro de inúmeras vezes, em nossas audições noturnas, enquanto eu havia ficado para trás acabando a janta, dos primeiros acordes da abertura de Porgy and Bess ressoando pelo corredor da casa até a cozinha. Eu acelerava as últimas garfadas, para não perder aquele momento mágico, em que as cordas me levavam a imaginar espaços grandiosos ao ar livre, e minha mente vagava solta até à entrada exuberante de Ella, em Summertime.

Eu só peço um favor a todos vocês, ouçam essa versão original e não as remasterizações ou compilações existentes. Pessoalmente considero essa a obra prima da dupla Ella & Armstrong. E uma das melhores gravações tecnicamente produzidas de todos os tempos!

OUÇA ELLA AT DUKE’S PLACE – ELLA FITZGERALD, NO TIDAL.

4- ELLA AT DUKE’S PLACE (Verve, 1965)

Acredito que muitos dos apaixonados por Ella, concordarão com minhas três primeiras indicações e irão torcer o nariz para essa.

Em minha defesa, a única coisa que posso dizer é que ambos (Duke e Ella), estavam pretendendo essa parceria por uma década, e por motivos de agendas o projeto foi sendo adiado até que a Verve conseguiu colocá-los por 4 semanas juntos, e saiu essa obra-prima (em minha humilde opinião).

Sugiro aos que duvidam que esse seja um trabalho digno de ser ouvido, que iniciem a audição pela majestosa Passion Flowers, e vejam o requinte do arranjo feito para que Ella nos brinde mais uma vez com uma interpretação primorosa.
Já ouvi diversos cantores e cantoras se desdobrarem para dar vida a essa belíssima canção.

Ninguém chegou nem perto!

Mês que vem eu irei mostrar 4 novas cantoras que valem a pena serem reconhecidas pelo seu talento e ousadia.
Até!

DADOS BIOGRÁFICOS EXTRAIDOS DO TEXTO ELLA
FITZGERALD: A GRANDE DAMA DO JAZZ POR CAMILA
SILVA E ANDRESSA DIEDRICH, EM ARTIGO PUBLICADO EM 20/01/2021 NA PÁGINA DO INSTITULO LING.

https://institutoling.org.br/explore/ella-fitzgerald-a-grande-dama-do-jazz

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