Fernando Andrette
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Uma amiga querida, que já não está mais nesse plano, sempre nos disse que se quisermos entender as novas gerações, precisamos primeiramente nos lembrar como éramos na mesma idade deles.
Nossos sonhos, rebeldias, insatisfações e, sobretudo, nossa sede por aprender e mudar as coisas.
Meus dois filhos, felizmente, me fazem revisitar minha juventude frequentemente e só posso agradecê-los por esse exercício de ‘resgate’, o tempo todo.
Quando nos sentamos para compartilhar impressões e experiências, a música sempre é um ponto central de nossas trocas.
E me surpreendo o quanto o universo musical deles é amplo e diverso, como foi o meu também na idade deles.
E fico grato por ter tido um ambiente musical tão intenso e diversificado na minha infância e adolescência, e ter proporcionado aos filhos esse mesmo ambiente.
A música pode nos dizer muito sobre quem somos e o que nos inspira ou nos trava. O que nos incomoda ou o que mais aspiramos individualmente e coletivamente.
Você quer ter ideia real do estado emocional de seus filhos, escute atentamente o que eles escutam.
Garanto que será uma maneira menos invasiva de compreender seus filhos e pode nos proporcionar vários insights para nos aproximarmos e nos reconectarmos com eles.
A música tem esse poder curador, e se soubermos usá-lo corretamente, pode criar novamente uma ponte entre nós e eles.
Quando os convido para ouvirmos música juntos, sempre os deixo mostrarem o que querem que eu conheça e a cada dia mais me surpreendo com as ‘surpresas’ que me trazem.
São enriquecedoras, e me fazem a cada audição posterior sozinho, entender um pouco mais de seus sonhos, medos, dúvidas, estado de ânimo…
Para mim, tem o mesmo efeito de cartas escritas, como todos nós com mais de 40 anos fizemos, quando precisávamos nos expressar sem estar presentes, para as pessoas importantes em nossas vidas.
Minha filha aos poucos está começando a se interessar em seguir meus passos, já citou que algum dia gostaria de escrever para a revista, então sugeri que ela me passasse uma lista de discos que ela desejaria compartilhar com nossos leitores.
E finalmente ela me apresentou.
Espero que você goste, e se tiver filhos adolescentes, quem sabe você possa até compartilhar com eles e ver como reagem (se for a praia deles, claro).
TARA NOME DOYLE – EKKO (FAT CAT RECORDS, 2025)
Tara nasceu na Alemanha e tem atualmente 24 anos e, além de compositora e cantora, também é atriz com participação em dois filmes.
Isso foi tudo que consegui saber a seu respeito. Seu primeiro trabalho, Alchemy, foi lançado em 2020, seguido de Værmin de 2022, Agape de 2024 e agora Ekko.
Ouvi rapidamente os outros trabalhos e para mim, é notório que sua carreira tanto como compositora como cantora vem evoluindo.
Ela canta como se estivesse recitando ou nos contando uma fábula. Seu timbre de voz é bastante suave, agradável e afinado. Jamais grita ou sai de sua zona de conforto.
Assim que ouvi pela primeira vez, fiquei com a impressão de que Tara Doyle deva ter escutado em sua infância tanto Kate Bush, como Tori Amos, ainda que seu timbre de voz não tenha nada de similar a essas duas cantoras inglesas.
Falo em termos de inspiração para seus temas e pelos arranjos mais intimistas.
Não tenha medo de ouvir, meu amigo, rs! Pois não irá lhe chocar ou criar arrepios de rejeição, acredite em mim.
Não será uma gravação tecnicamente de uso para avaliação de nenhum sistema, mas pode ser uma trilha musicalmente reconfortante para aqueles seus dias em que as coisas não saíram como você tanto desejou.
Dias assim ocorrem, não é verdade?
E ter uma voz tão suave nos levando para longe daquela energia tão sufocante, pode ser um bálsamo!
Espero que muitos de vocês curtam.
NALA SINEPHRO – ENDLESSNESS (WARP RECORDS, 2024)
Essa foi uma surpresa, não por desconhecer, já que esse disco faz parte de minha playlist pessoal desde seu lançamento em 2024, e sim por ela conhecer, ouvir e gostar!
Nala tem 29 anos e nasceu na Bélgica, e atualmente vive na Inglaterra. Toca inúmeros instrumentos, entre eles: harpa de pedal, sintetizadores analógicos como Moog, piano, violino e gaitas.
Ela é conhecida como uma compositora de jazz de vanguarda, em que utiliza várias tendências, com base em música eletrônica.
Seu primeiro trabalho lançado em 2021, Space 1.8, ganhou ampla cobertura da crítica e prêmios de álbum revelação. E agora o seu segundo trabalho, lançado em 2024, além de vários prêmios de álbum de jazz do ano, também abriu as portas para vários festivais de jazz pelo mundo.
Sua mãe era professora de piano clássico e seu pai saxofonista. Com pais músicos, Nala na adolescência tinha a intenção de se tornar bioquímica, porém o destino a enviou para fazer o ensino médio em uma escola em Bruxelas que tinha um departamento de música, e lá ela se encantou pela harpa.
Seu professor viu um enorme potencial e a incentivou a tentar uma bolsa na Berklee College Music em Boston, e lá além de ampliar sua técnica e domínio do instrumento, fez também um curso de engenharia de som.
Formada, se mudou para Londres onde iniciou sua carreira nos clubes noturnos de jazz e de música eletrônica. Na cidade ela conheceu Nubya Garcia e o saxofonista Shabaka Hutchings, e começaram a se apresentar em diversas casas noturnas de jazz da cidade.
Nala compõe suas obras sempre no piano, antes de transcrevê-las para seus arranjos.
Neste trabalho mais recente, tem a participação dos convidados: Nubya Garcia no saxofone, James Mollison nos teclados, e dos bateristas Natcyet Wakili e Morgan Simpson, e do multi-instrumentista Wonky Logic.
Meu amigo, esse é um disco que exigirá duas coisas tecnicamente de seu sistema: transparência para se ouvir camadas e mais camadas de teclados eletrônicos, e soundstage para que tudo esteja devidamente bem focado e nos seus planos de profundidade e largura do palco corretos.
É uma viagem sonora, então alerto aos sexagenários que estejam preparados com todas as medicações tomadas antes de se aventurar nessa imersão sonora, rs.
Devidamente preparado, não imagino efeitos colaterais preocupantes!
Pode ser uma excelente ‘viagem’ sem uso de nenhum apoio químico ilícito – para um bom entendedor, esse toque basta, não é mesmo?
Espero que façam bom uso de ambos os discos sugeridos por minha filha para essa Edição Comemorativa de 29 Anos da revista.
Para você que esteve presente por todos esses anos nos prestigiando, o meu mais profundo obrigado.
E para você que nos conheceu mais recentemente, espero que esteja, também, conosco daqui em diante.